segunda-feira, 7 de abril de 2008

Nau dos Corvos

Nau dos Corvos
Hoje o dia nasceu triste, escuro. A chuva caía torrencialmente e as gotas batiam nas janelas com força, para além disso também a trovoada chegou, nestes dias acho que a natureza reclama de algo e com razão. Provavelmente da forma como é tratada. Hoje sinto-me com preguiça e não é coisa minha, mas não vou escrever muito, de manhã, pensei no meu pai e como me apetecia estar ao pé dele, tomarmos um cafézinho, conversarmos, mas especialmente...Dar-lhe um beijo, e desejar-lhe um bom dia. E como hoje é o dia Mundial da Saúde e ele ultimamente passou por alguns problemas, pensei mais nele certamente e resolvi transcrever um poema de um livro dele porque é uma forma de estar mais perto.


Para ti Isabela com carinho
Saboreia
Ouve a música das ondas a bater nas rochas
De um mar que também é um bocadinho teu

Nau dos Corvos

Nau dos Corvos,

Monólito de sonho e de segredo

em cujas veias pétreas, escavadas,

giram serpentes de esperança e medo,

barco aproado ao cabo do destino,

cabo do mundo, ocidental instante,

porto ancestral de chegada e de partida,

dedo do mundo bem apontado ao mundo,

corda de violino,

Vitória Samotrácia

altivamente, aqui, redescoberta,

fronteira-adamastor do vento norte

que os sentidos telúricos liberta,

almofada de pedra e de lonjura

em cujos sulcos priscos, feitos pique,

as ondas, como bilros de esmeralda,

tecem, de espuma, rendas de loucura,

pedestal de palavras e de silêncio

guitarra de tanger a insónia apetecida,

sereia fascinante sedução

de horizontes violáceos de ternura,

convés de névoa, anúncio de guarida,

farol da travessia,

madrigal de aventura e fantasia,

fantástica presença libertada

onde o sonho se grava em carta de alforria,

ânfora anil de líquidas estrelas,

aluvião de real e imaginário,

marítima floresta de volúpia,

de assombros e coragem

santuário.

Ah, minha Nau dos Corvos,

minha mãe, minha irmã, e minha noiva,

minha cúmplice de medos e orfandades,

minha serenidade e confidente,

meu sal de liturgia,

sarça ardente,

minha raiz de pedra e de maresia,

minha música antiga e fantasia,

meu pássaro de fogo, meu poema,

minha urze, meu trevo e alecrim,

minha camarinheira e alfazema:

envolve-me de azul e de segredos,

dos teus corvos-gaivotas, revoada

de escultores e poetas, de bruxedos,

veste-me as finas rendas rendilhadas

que teces com o bailado dos teus dedos

na almofada

toda safira-esmeralda

dos teus cantos,

no exorcizar milagre dos quebrantos,

dá-me a beber teu seio de alvoradas

no grito das nortadas

e deixa embebedar-me nos teus voos libertos,

altivos despertos, ioda-me os ossos, tesa minha carne

da secular coragem do teu querer,

feito, do continente o ousado gurupés,

todo força, todo sonho, todo esperança,

e deixa que eu me sonhe

a força,

o sonho, a esperança

a esperança

que tu és!

Raízes de Maresia de Mariano Calado

Como os genes são importantes meu pai!

De uma filha cheia de afectos e de mar também

3 comentários:

Raul Martins disse...

Querida Isabel!

Eu também acredito que é a mãe Natureza que reclama, protesta, enfim, nos alerta e quer de nós uma reflexão séria sobre os caminhos que estamos a percorrer. O que é certo é que está nas nossas mãos a procura de um novo rumo.

Obrigado pela partilha deste poema do seu pai. Pleno de sensibilidade, força, esperança, sonho... E sobretudo a sua musicalidade.
Não conhecia o poema nem o seu autor, de quem só tem que se orgulhar. Já pesquisei um pouco e vejo que é uma figura que tem dado um grande contributo a Peniche, não só como poeta mas como historiador.

Também acredito nos genes. Nas "raízes"... nas "raízes de maresia". E por isso o seu amor pela Natureza, pelo mar, pelas gaivotas...

Obrigado pela amizade e pela partilha.

Carpe diem!

isabela disse...

Ah, que bonita a nossa Nau dos Corvos e tantas recordações me traz este sítio...
E o poema é lindíssimo! Que bem "cantado" que está este lugar... tão ao jeitinho de quem escreve tão bem...
O lugar onde os barcos baloiçam mais em direcção ás Berlengas. Onde foi "fronteira-adamastor" nos naufrágios que eu própria vi ali...
Onde ainda há pouco tempo ensinei aos meus filhos o que são camarinhas...

Muito obrigada pela "música das ondas a bater nas rochas de um mar que também é um bocadinho meu".
Um beijinho para ti e quando vires o teu pai dá-lhe um especial por mim.

P.S. Ainda não é tudo. Merece que eu volte. Mas o tempo...ah como o tempo me foge por entre os dedos...
Prometo que voltarei.

Isabela

Anónimo disse...

Quem sai aos seus nao degenera =P