Nau dos Corvos
Nau dos Corvos,
Monólito de sonho e de segredo
em cujas veias pétreas, escavadas,
giram serpentes de esperança e medo,
barco aproado ao cabo do destino,
cabo do mundo, ocidental instante,
porto ancestral de chegada e de partida,
dedo do mundo bem apontado ao mundo,
corda de violino,
Vitória Samotrácia
altivamente, aqui, redescoberta,
fronteira-adamastor do vento norte
que os sentidos telúricos liberta,
almofada de pedra e de lonjura
em cujos sulcos priscos, feitos pique,
as ondas, como bilros de esmeralda,
tecem, de espuma, rendas de loucura,
pedestal de palavras e de silêncio
guitarra de tanger a insónia apetecida,
sereia fascinante sedução
de horizontes violáceos de ternura,
convés de névoa, anúncio de guarida,
farol da travessia,
madrigal de aventura e fantasia,
fantástica presença libertada
onde o sonho se grava em carta de alforria,
ânfora anil de líquidas estrelas,
aluvião de real e imaginário,
marítima floresta de volúpia,
de assombros e coragem
santuário.
Ah, minha Nau dos Corvos,
minha mãe, minha irmã, e minha noiva,
minha cúmplice de medos e orfandades,
minha serenidade e confidente,
meu sal de liturgia,
sarça ardente,
minha raiz de pedra e de maresia,
minha música antiga e fantasia,
meu pássaro de fogo, meu poema,
minha urze, meu trevo e alecrim,
minha camarinheira e alfazema:
envolve-me de azul e de segredos,
dos teus corvos-gaivotas, revoada
de escultores e poetas, de bruxedos,
veste-me as finas rendas rendilhadas
que teces com o bailado dos teus dedos
na almofada
toda safira-esmeralda
dos teus cantos,
no exorcizar milagre dos quebrantos,
dá-me a beber teu seio de alvoradas
no grito das nortadas
e deixa embebedar-me nos teus voos libertos,
altivos despertos, ioda-me os ossos, tesa minha carne
da secular coragem do teu querer,
feito, do continente o ousado gurupés,
todo força, todo sonho, todo esperança,
e deixa que eu me sonhe
a força,
o sonho, a esperança
a esperança
que tu és!
Raízes de Maresia de Mariano Calado
Como os genes são importantes meu pai!
De uma filha cheia de afectos e de mar também
3 comentários:
Querida Isabel!
Eu também acredito que é a mãe Natureza que reclama, protesta, enfim, nos alerta e quer de nós uma reflexão séria sobre os caminhos que estamos a percorrer. O que é certo é que está nas nossas mãos a procura de um novo rumo.
Obrigado pela partilha deste poema do seu pai. Pleno de sensibilidade, força, esperança, sonho... E sobretudo a sua musicalidade.
Não conhecia o poema nem o seu autor, de quem só tem que se orgulhar. Já pesquisei um pouco e vejo que é uma figura que tem dado um grande contributo a Peniche, não só como poeta mas como historiador.
Também acredito nos genes. Nas "raízes"... nas "raízes de maresia". E por isso o seu amor pela Natureza, pelo mar, pelas gaivotas...
Obrigado pela amizade e pela partilha.
Carpe diem!
Ah, que bonita a nossa Nau dos Corvos e tantas recordações me traz este sítio...
E o poema é lindíssimo! Que bem "cantado" que está este lugar... tão ao jeitinho de quem escreve tão bem...
O lugar onde os barcos baloiçam mais em direcção ás Berlengas. Onde foi "fronteira-adamastor" nos naufrágios que eu própria vi ali...
Onde ainda há pouco tempo ensinei aos meus filhos o que são camarinhas...
Muito obrigada pela "música das ondas a bater nas rochas de um mar que também é um bocadinho meu".
Um beijinho para ti e quando vires o teu pai dá-lhe um especial por mim.
P.S. Ainda não é tudo. Merece que eu volte. Mas o tempo...ah como o tempo me foge por entre os dedos...
Prometo que voltarei.
Isabela
Quem sai aos seus nao degenera =P
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