A família representada, em contagiante harmonia num hipotético domingo, onde as crianças saiam à rua nos seus melhores fatos, e depois da missa se dirigiam para o jardim e se deliciavam com as cores fortes da relva, das flores perfumadas, do jasmim, da alfazema com seus roxos de encantar, seus perfumes, e outros tantos quadros se podiam ver no estado daquele onde as cores que seriam fortes e visíveis estavam agora apagadas, esbatidas pelo tempo que escorria ao longo de tantos anos volvidos.
Ao fundo, paredes repletas de livros de castanho vestidos com letras bordadas a ouro, olhavam para o centro, para os lados, na esperança que alguém os fosse buscar, lhes desse uma limpeza, a sua devida importância e pudesse entrar neles novamente para reviver os romances, as aventuras, os mistérios desvendados numa noite de chuva lidos, no quente da lareira, com uma chávena de chá na mão e uma música tocada em surdina no piano da sala.
A velha senhora lá estava sentada a um canto, como se tudo tivesse parado ali, olhei e perguntei a mim mesma o que teria acontecido, o sofá estava lá a senhora não passava de uma visão da minha imaginação a vaguear mais uma vez no tempo.
Quem habitaria lá ou teria habitado um dia, para onde teriam ido todos, será que eu lá estive um dia, e já tinha vivido naquela casa grande?!
Teriam morrido, alguém estaria algures para perpetuar todas aquelas riquezas, outrora feitas beleza e agora mono de histórias feitos que aguardavam a visita de um eu, ou outro como eu que via e sentia no ar ainda a respiração dos seu habitantes, o calor dos corpos.
Cá fora o jardim, plantas que tinham sido maravilhosas tinham murchado, apenas algumas sobreviviam às intempéries, e as árvores, essas cresciam desmedidamente, nos seus troncos grossos iam criando raízes, sem parar e espalhavam-se por toda a quinta, apetecia deitar debaixo daqueles frondosos ramos que pareciam ter algo a dizer, e conversar, pois algumas histórias saberiam e contariam
certamente, porque elas viveram e cresceram com outros seres vivos que ali habitaram, viveram suas histórias de amor ou desamor e com elas comungaram essas histórias maravilhosas, naquele jardim e naquela casa, hoje desabitada,
onde o movimento era rei e pessoas se moviam num acelerar de vida, vivida com prazer, e crianças corriam e brincavam, e hoje era somente um sala vazia, vazia no tempo.
Isabel Cabral
Haverá mais capítulos Teresa!!!
10 comentários:
Hoje vazia, mas um dia cheia de vida
beijos
Boa Tarde Isabelita
Em primeiro lugar quero dar-lhe os parabéns pelo aniversário da sua Mia, depois pelo livro do seu Pai.
Pois é como diz, mal se ausenta há reboliço, com "pecados" à mistura.
Estou a ver que está a dar continuação aos contos, eu estou a deliciar-me. São registos belos, com tons nostálgicos e são como um quadro, onde apetece entrar.
Beijinhos e até amanhã
Isabel
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...é sempre assim!
As grandes casas, quando jovens, são cheias de vida e risos...A medida que o tempo passa, vão se esvaziando e as senhoras, geralmente acabam sozinhas...
É a vida!
Beijos de luz e uma semana feliz!!!
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Isabel,
Obrigada por ter continuado.
Gostrei imenso do seu texto.
Não imagina o quanto me atraem as casas velhas!
Na minha aldeia há muitas; de algumas, apenas restam algumas paredes ou simplesmente ruínas.
Paro longo tempo diante delas e fico longos momentos a olhá-las e a tentar imaginar como a vida já ali fervilhou...
E depois, fotografo, fotografo...
Tenho na Internet uma pasta cheínha de fotos de casa velhas.
Um beijo, amiga linda
Viviana
Os casarões, outrora, guardavam grandes famílias, que à medida do passar do tempo, se iam esvaziando com a partida dos mais jovens.Os velhos iam ficando sós e praticamente abandonados, relegados à solidão da idade. Parece que assim é a vida. Pena.
Fraternal abraço do amigo Gilbamar.
Isabel
Deixei para si, no meu blogue, com muito carinho e convicção, o selo Sobrevivente ao Romantismo.
Beijinhos
Um belo quadro numa bela história como tão bem nos sabes contar... gostei bastante amiga...
Mais um lindo momento por aqui,
Bjs,
Nuno
Querida amiga Isabel
Ainda não me redimi dos meus "pecados" mas mesmo assim ousei entrar no seu belo blogue, ler a sua história, ouvir a música de fundo.
E deixar-lhe um beijinho dum "pecador" profundamente arrependido (fui manipulado pelas nossas amigas Teresa e Isabel, sabe? - são umas marotas).
Beijinhos
António
Olá Isabel
Continua com o seu conto a dar forma a um sonho meu de criança. Sempre almejei ter, algures numa recôndita aldeia do nosso Portugal, uma casa com uma velha tia ou madrinha e uma empregada das antigas - daquelas que não trazem o pequeno almoço à cama, sem antes apresentarem uma bacia em prata com uma toalha de linho para limpar as mãos - e nessa casa passar uns dias admirando os velhos móveis de castanho ou cerejeira, os quadros de outros antepassados e a ouvir o velho piano desafinado.
Um pouco por isso fizemos o nosso cantinho numa simpática aldeia sobre o luminoso rio Tâmega.
Claro que aqui passo eu a ser a "avó" velhota e simultâneamente a empregada antiga. Criei uma série de rituais diferentes dos da cidade e adoro ver a casa cheia, com cheirinho a rosmaninho, a lenha a arder, o forno a assar carne, ou a cozer o pão e as gargalhadas das crianças a desafiarem a quietude da natureza.
Chega de divagações! ... Afinal a história é sua e eu deveria ser apenas espectadora, mas não resisti a tornar-me figurante por uns momentos.
Perdoe-me.
Um beijinho e continue a fazer-nos sonhar.
Licas (Isabel)
Olá Isabel,
Quadro lindíssimo... Adoro Renoir...
O teu texto está uma delícia, num tom perfeitamente alinhado com a mensagem do quadro...
Ah... esse tema dos Abba...
Beijos
Colibri
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